O surgimento das grandes máquinas e a institucionalização da pesquisa em Física no Brasil (1950 - 1964)

Ao final da segunda Grande Guerra, o mundo buscava por novas formas de organização e a tensão predominava nas ações geopolíticas. A economia mundial se via dividida em duas políticas distintas - o capitalismo “reformulado” pós crise de 1929 e o comunismo soviético em expansão desde a Revolução de 1917. Os conflitos então se diferenciavam dos travados durante as duas Guerras Mundiais por acentuarem a conquista do poder não só pela disputa armada, mas pela persuasão, através da expansão de políticas de internacionalização cultural e econômica, da influência midiática e de uma maior atenção por parte das grandes potências, vencedoras da guerra às configurações políticas de países como o Brasil.


Com a Guerra Fria, físicos estadunidenses envolvidos no Projeto Manhattan, como Oppenheimer, passaram a correr risco de perseguição. Em meio a essa situação, David Bohm[1], discípulo de Oppenheimer e também perseguido pelo macartismo, foi convidado por Mario Schenberg e Jayme Tiomno a vir para a FFCL, onde assumiu a cadeira de Física Teórica de 1951 a 1955, época em que Abrahão de Moraes era diretor do departamento. O que demonstra a continuidade do trabalho de boas relações internacionais do departamento, iniciado por Wataghin.


Os principais eventos de destaque do século XX foram consequência direta do investimento em ciência. Assim, estabeleceu-se uma corrida em busca de sua institucionalização em países emergentes, como o Brasil, e da instrumentalização de pesquisas em física com a construção de grandes aceleradores de partículas. Um exemplo é a Física Nuclear, cuja pesquisa experimental se dava, principalmente, com o estudo de raios cósmicos e passou a ser feita, sobretudo, com o uso de aceleradores de partículas, tornando o campo experimental mais dependente dessas grandes máquinas.[2]


É interessante notar que o Departamento de Física da FFCL-USP acompanhou de perto essa tendência através de acordos com os EUA e suporte financeiro da Fundação Rockefeller, essencial para que físicos brasileiros, tais como César Lattes[3], Marcello Damy, Paulus Aulus Pompéia e Oscar Sala, trabalhassem em laboratórios equipados com a tecnologia, na época pouco utilizada, dos aceleradores, aprendendo como manuseá-los e construí-los. Essa colaboração internacional foi essencial para que os primeiros aceleradores de partículas fossem instalados no Brasil, culminando na obtenção de um acelerador de elétrons do tipo Betatron e de um acelerador eletrostático Van de Graaff na USP.


Entre 1945 e 1946, Marcello Damy de Souza Santos trabalhou com Donald Kerst, físico estadunidense desenvolvedor do acelerador Betatron[4], na Universidade de Illinois. Desta relação, Damy adquiriu a experiência necessária para construir uma máquina do mesmo tipo na Universidade de São Paulo. O acelerador Betatron chegou ao Brasil em 1950, construído com verbas da Fundação Rockefeller em um prédio erguido com financiamentos dos Fundos Universitários de Pesquisa.



Figura 1: Acelerador Betatron na década de 1950. Ao centro: núcleo magnético. Ao fundo: banco de condensadores. Foto do Acervo IFUSP (cedida por Giorgio Moscati).


Em 1948, Oscar Sala foi para Wisconsin trabalhar com Raymond G. Herb, com quem projetou o acelerador eletrostático Van de Graaff. A construção da máquina na USP, coordenada por Sala, teve início em 1951, sendo finalizada em 1954. Contou com verbas não apenas da Fundação Rockefeller, mas também do Fundos Universitários de Pesquisa. Além disso, sua construção teve participação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), do Instituto de Eletrotécnica (IE) da USP, e de setores do parque industrial paulista. O acelerador só começou a funcionar em 1959, permanecendo ativo até o início dos anos 1970. Durante o tempo em que esteve em atividade, foi utilizado em pesquisas em Física Nuclear.



Figura 2: Oscar Sala junto ao Gerador Van de Graaff. Foto do Acervo IFUSP.


No âmbito nacional, em 1948 foi criada a Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência (SBPC)[5] e, no ano seguinte, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), com a participação de César Lattes - que tornou-se uma figura importante no cenário científico e político após contribuir para a detecção e produção artificial do méson pi. Ainda em 1951, foram criadas duas agências financiadoras de pesquisa, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Conselho Nacional de Pesquisas (CNP), hoje Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)[6], que contribuíram para a institucionalização da pós-graduação no Brasil, permitindo que mais estudantes de diversas áreas pudessem se especializar. Até esse momento para fazer uma pós graduação seria necessário ir para o exterior, como foi o caso de Marcello Damy, Mario Schenberg e Sonja Ashauer. Esses órgãos trabalhavam em conjunto com o recém criado BNDES[7] em um período de entusiasmo nacional em relação ao futuro - refletida, em 1956, na vitória de Juscelino Kubitschek com a campanha desenvolvimentista de “50 anos em 5”.



Figura 3: Equipe do CBPF em 1952. Do lado esquerdo: Roberto Salmerom, Gabriel Fialho, Francisco de Oliveira Castro, Gerard Hepp, Álvaro Difini, César Lattes, José da Costa Nunes, Ugo Camerini,José Leite Lopes, Paulo Emídio Barbosa e Homero Cesar. Do lado direito: Homero Brandão,Henry British Lins de Barros, Nelson Lins de Barros, Neusa Amato, Richard Feyman, Elisa Frota Pessoa, Guido Beck, Helmut Schwartz, Jayme Tiommo, Oehme, George Rawitscher.(Fonte:Andrade, 1999, p. 157). Foto do acervo IFUSP


A criação de laboratórios cada vez mais tecnológicos e a forte institucionalização da ciência na época, de alguma forma, colaboraram para que este fosse um momento muito produtivo da física brasileira. Contudo, essa atmosfera de pluralismo de ideias foi afetada pela ditadura civil-militar que teve início em 1964, que embora mantivesse o investimento em desenvolvimento tecnológico, promoveu a aposentadoria compulsória de diversos professores, a perseguição de ativistas sociais e o foco num ensino e práticas científicas mais tecnicista.


Referências:


[1] BARROS, Alberto Luiz da Rocha. Depoimento: O aparente e o oculto: entrevista com David Bohm. London: Birkbeck College, University of London, 1983.


[2] ANDRADE, Ana Maria Ribeiro. Físicos, Mésons e Política: A Dinâmica da Ciência na Sociedade. Rio de Janeiro, HUCITEC, 1999.


[3] TAVARES, Heráclio. Estilo de pensamento em física de partículas no Brasil (1934 - 1975): César Lattes entre raios cósmicos e aceleradores. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado UFRJ, 2017.


[4] Biographical Memoirs: V.72(1997).The national academies press. Disponível em: https://www.nap.edu/read/5859/chapter/14. Acesso em: 25 mai. 2018


[5] LINHA DO TEMPO - SBPC. Portal SBPC. Disponível em: http://portal.sbpcnet.org.br/linha-do-tempo/#1940. Acesso em: 25 mai. 2018


[6] História do CNPq. Centro de Memória CNPq. Disponível em: http://centrodememoria.cnpq.br/Missao2.html. Acesso em: 25 mai. 2018


[7] PAIVA, Márcia. BNDES: um banco de história e do futuro. São Paulo: Museu da Pessoa, 2012.


[8] Criação e estruturação da FAPESP. FAPESP. Disponível em: http://www.fapesp.br/28 . Acesso em: 25 mai. 2018


[9] ASSOCIAÇÃO, DOS DOCENTES DA USP. O controle ideológico na USP (1964-1978). São Paulo: Editora Adusp, 2004.