Cesar Lattes (1924-2005)

Cesare Mansueto Giulio Lattes, curitibano, descendente de italianos, estudou em escolas de elite brasileira, tendo desde muito cedo interesse pela pesquisa. Graduou-se em física pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP (FFCL) em 1943, passando a trabalhar com seus professores Gleb Wataghin e Giuseppe Occhialini no Departamento de Física da mesma instituição, realizando pesquisas em raios cósmicos.


Em 1946, a convite de Occhialini, Lattes foi para a Universidade de Bristol, Reino Unido, com bolsa da British Council, trabalhar no laboratório de Cecil Powell na calibração das novas emulsões nucleares, um detector de partículas que era um aperfeiçoamento das chapas fotográficas comuns.



Lattes (terceiro da esquerda para a direita, na primeira fileira em pé) e seus pares do departamento de física da Universidade de Bristol, em 1946.


Neste trabalho, Lattes foi designado para operar o pequeno acelerador de partículas do Laboratório Cavendish, na Universidade de Cambridge. Ele realizou exposições das emulsões a feixes de partículas que se chocavam com alvos de diferentes elementos químicos, provocando transmutações distintas. Estas, ao alcançarem as emulsões, deixavam rastros das passagens de diferentes partículas carregadas. O que Lattes tinha que fazer, grosso modo, era estabelecer a relação entre as medidas dos traços e suas respectivas energias para compará-las aos dados confiáveis obtidos por câmaras de Wilson. Entretanto, Lattes tinha liberdade de pesquisa. Ele podia trabalhar, paralelamente, em projetos próprios.


Ele tinha a intenção de medir a energia e o momento de nêutrons cósmicos indiretamente, usando a soma vetorial dos traços causados por duas partículas alfa e um trítio, resultantes da colisão de nêutrons (que não deixam rastros) com átomos de Boro, contidos na emulsão. Lattes mediu a energia de nêutrons usando o acelerador de Cambridge e traçou planos para a coleta de dados do mesmo experimento, mas usando raios cósmicos como colisores.


No outono de 1946, Occhialini estava indo ao Pic du Midi, a 2.880 metros acima do nível do mar, na França, passar um fim de semana esquiando e, a pedido de Lattes, levou emulsões, algumas tratadas com Boro, outras não, para expô-las a raios cósmicos. Para a surpresa de todos, a revelação das chapas após suas exposições indicou que as que continham Boro mantiveram os traços escuros das passagens de partículas carregadas. Como Lattes e seus pares conheciam os traços causados por deutério, partículas alfa e prótons, os traços causados por mésons, apesar de escassos, destoavam dos demais. Era preciso a reunião de mais dados que permitissem confirmar, ou não, a informação de captura e identificação dos mésons, partículas cujas existências ainda não possuíam comprovação experimental. Documento sobre importância de Lattes em Bristol.


Lattes foi ao Departamento de Geografia da Universidade de Bristol e identificou um local para a exposição das chapas onde a probabilidade de incidência de mésons era maior do que no Pic Du Midi. O Monte Chacaltaya, a 5.500 metros acima do mar, em La Paz, Bolívia, possui fácil acesso e foi o local escolhido por Lattes para as novas exposições. Ele conseguiu o apoio de um meteorologista boliviano que conhecia o local, Ismael Escobar, e realizou uma expedição em meados de 1947 para expor e, algumas semanas depois, recuperar as chapas (documento sobre ida de Lattes a Chacaltaya). Deste trabalho resultou a identificação do méson π, que rendeu o prêmio Nobel a Cecil Powell, chefe do laboratório, em 1950.


Entretanto, Lattes não se deu por satisfeito com a produção e identificação do mésons usando raios cósmicos. Em sua visão, era necessário produzir e estudar estas partículas em laboratório, de maneira controlada. O problema é que não havia consenso sobre o mínimo de energia necessária para a produção de mésons a partir de colisões de partículas.


Nestas circunstâncias, no final de 1947, Niels Bohr convidou Lattes para dar palestras sobre seu trabalho na Dinamarca. Após a palestra em Copenhagen, Bohr promoveu um jantar em sua casa para saber de Lattes mais detalhes de suas pesquisas e quais eram seus próximos planos. Wataghin, que estava realizando uma viagem de férias pela Europa, também esteve presente nesta situação. Para a surpresa do anfitrião, Lattes revelou que estava de saída de Bristol. A ideia do físico brasileiro era ir para a Universidade de Berkeley, nos EUA, usar o cíclotron para produzir mésons de maneira controlada. Lattes apostava que a energia de 380 MeV deste acelerador somada à energia interna de movimentação dos núcleons em um núcleo (energia Fermi) era suficiente para a produção dos mésons. (documentos sobre ida de Lattes para Berkeley: documento I e documento II).


Em fevereiro de 1948, Lattes chegou ao Radiation Laboratory, da Universidade de Berkeley, com bolsa da Fundação Rockefeller, para trabalhar como consultor na equipe de Eugene Gardner. O principal instrumento de Lattes era sua habilidade para pensar os arranjos experimentais usando o acelerador, as emulsões e os periféricos combinada à posse de um olhar treinado para conseguir identificar ao microscópio os traços que a passagens dos mésons deixavam nas emulsões, em meio aos de outras partículas carregadas. Com apenas uma semana de trabalho, Lattes conseguiu , produzir, capturar e identificar mésons em Berkeley. Essa produção foi interpretada por muitos autores como o início da física de partículas.



Rascunho feito por Gardner do arranjo experimental sugerido por Lattes para a captura do méson positivo e negativo. “Look for positive mesons suggested by CMGL.” 03 de abril de 1948. Record Group 326: Atomic Energy Commission – Department of Energy – Lawrence Laboratory – Physics Division Eugene Gardner Research Group. Logbooks of Meson detection experiments by Gardner Research Group, 1945-1955. National Archives Records and Administrations. San Bruno, CA/ USA – BOX: 7 – Book 12 - Photographic Films for Detecting Charged Particles – Operations – Begins December 06, 1947.


Ao retornar para o Brasil em 1949, Lattes foi recebido como celebridade nacional. O grupo de físicos de sua geração, liderado por José Leite Lopes, utilizou este prestígio para a construção de uma instituição livre das amarras burocráticas para a realização de pesquisas de vanguarda em física. O Centro Brasileiro de Pesquisas em Física (CBPF) nasceu com este espírito. Por outro lado, o prestígio de Lattes foi usado por legisladores para a aprovação da criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em 1951. A criação destas instituições nas circunstâncias históricas do final dos anos 1940 e início dos anos 1950 representa a concretização institucional do nacionalismo científico desta geração.


Após um período conturbado em sua vida pessoal por conta das pressões que recebeu diante de um escândalo de desvio de verbas do CNPq para a compra de um acelerador de partículas para o CBPF, Lattes saiu do Brasil mais uma vez. Ele trabalhou como pesquisador visitante, de 1955 a 1957, na Universidade de Chicago. Ele retornou para o Brasil ao final da década de 1960 e se tornou professor no Instituto de Física Gleb Wataghin, da Universidade Estadual de Campinas, instituição que ele contribuiu para a construção.


Lattes nos deixou em 2005, e seu legado foi homenageado simbolicamente pelo CNPq ao batizar a plataforma nacional de currículos de cientistas com seu nome.



Cesar Lattes recém-formado



Cesar Lattes mais velho, possivelmente na década de 1980. Fotos do Acervo IFUSP.


Mais informações sobre Cesar Lattes neste acervo: